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Os neo-Hipócritas

HEITOR DE PAOLA - MÍDIA SEM MÁSCARA - 3 OUTUBRO, 2003


Reunidos num confortável teatro de Paris - where else? - câmeras, microfones, spotlights, luzes à vontade, reúnem-se alguns intelectuais (sic) -os de sempre Jorge Semprun, Mercedes Sosa, Eduardo Galeano et caterva - e, pela voz, beleza e charme de Catherine Deneuve, denunciam uma "onda de repressão em Cuba" com três fuzilamentos e 75 prisões. O ato chamado "Cuba sim, Castro, não" foi convocado pela ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF).


Que é um intelectual?
Intelectual é quem assina
manifesto de intelectuais
Millôr Fernandes

Convenhamos, não está um pouco atrasado o "ato público" - coisa que "intelectual" adora mais do que manifesto, pois conseguem aparecer de corpo inteiro? Desde 1959 Fidel vem matando gente às pencas no paredón e no canal que separa a ilha da Flórida, prendendo dezenas de milhares e mantendo os prisioneiros em fome zero - perdão, dieta zero - torturando-os continuamente. Quantos repórteres já foram mortos ou aprisionados pelo tirano e seus cúmplices, diante dos quais Fernandinho Cheira-Mar é um santo? Só agora é que souberam disto? Ora, ora, como bem o disse Percival Puggina, não vem que não tem!



Com o brado "Até aqui eu fui", espanholado pela Mercedes Sosa para "Hasta aquí llegó mi amor", o Prêmio Nobel português Saramago - pobre terra que já nos deu Camões, Eça, Guerra Junqueiro, Júlio Diniz, Castello Branco, Ramalho Ortigão, Fernando Pessoa e outros - deu a senha que desencadeou a primeira das grandes hipocrisias do século entrante: a denúncia de 3 mortos, depois de tolerarem 17.000, e 75 presos, depois de tolerarem incontáveis que apodreceram e ainda apodrecem encerrados nas masmorras da quadrilha.


De quebra, o Secretário Geral da RSF, Robert Menard, secundado pelos outros, acusou o Presidente Lula de covarde: "Estou atônito com tanta covardia", disse, com o eco do jornal Liberation "O ditador foi tratado com indulgência". Ah, isto foi mesmo, só que durante 44 anos!


Tudo porque Lula não condenou o regime cubano. E por que esperavam isto se Lula é co-fundador do Fórum de São Paulo junto com Fidel? E se o próprio Embaixador brasileiro na ilha-cárcere, Tilden Santiago, declarou que Fidel está satisfeitíssimo de ver em Lula o seu sucessor na América Latina?


Não esperavam coisa nenhuma, não passa de mais um ato da encenação hipócrita. Coitada da Catherine Deneuve que provavelmente recebeu seu cachê de 10.000 dólares que cobra para comparecer a qualquer lugar, fazer e dizer o que lhe mandam. (Está numa VEJA antiga, quando um brasileiro deu uma festa de aniversário em Punta del Este e pagou a ela e ao Marcello Mastroianni esta quantia, para comparecerem).


Para completar a pantomima, a mídia brasileira em peso saudando o grande salvador da pátria no retorno de sua "bem sucedida" viagem, na qual mostrou ao Bush o que é que a baiana tem! Viagem de repercussão internacional mínima, da qual o Brasil saiu de líder de 22 pobres esfarrapados que não vão perder muito tempo para ir mendigar umas comprinhas da Casa Branca. Como aliás, já fizeram Schroeder e Chirac, depois que arrumaram a bucha de canhão ideal. Outro "lucro" foi a chamada extemporânea da Embaixadora americana em Brasília, simpática à esquerda.


Até Merval Pereira, em sua coluna de ontem no Globo, entrou na roda ao falar da situação em Cuba "após a onda de repressão política que se abateu sobre a ilha de Fidel, com o fuzilamento de pessoas que tentaram fugir e a prisão em massa de intelectuais dissidentes" - e quando não foi assim? - e dando crédito à palhaçada de que "o governo cubano (..) sentiu fortemente a reação (dos intelectuais) e hoje já admite extra-oficialmente que houve excessos na punição dos dissidentes. Ah é, ééé?


Minha interpretação dos fatos: o velho Comandante já está velho e provavelmente doente - fala-se de vários tratamentos secretos na Isla de Margarita - e precisa encontrar um sucessor, já que o grosso e truculento Chávez não "emplacou". E começa a cerimônia de passagem do cetro, para no momento apropriado alguém dizer "Le Roi est mort, vive le Roi". Se o próprio Fidel é o diretor da peça, talvez nunca se saiba. Se não for, é a velha história dos ratos que abandonam o navio quando este começa a afundar - obviamente já tendo preparado o próximo barco. As críticas à covardia de Lula não passariam de prestidigitação.


Isto já aconteceu várias vezes na história recente. Em 1956, quando Kruschev "denunciou" os crimes de Stalin - só quem "não sabia" disso era o Sartre, embora advertido há décadas por seu colega de École Normale Raymond Aron - e continuou-se matando na URSS igualzinho a antes. Em 1989, falida e não podendo resistir às investidas de Reagan, Thatcher e João Paulo II, acaba a URSS. Agora a "bola da vez" é Cuba. Vão-se os anéis ficam os dedos: sacrificam-se os líderes e os países, para manter intacto e cada vez mais forte o movimento comunista.


Haja hipocrisia!

 
OS NEO HIPOCRITAS
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