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China será a grande perdedora da desglobalização

- PROJECT SYNDICATE - Minxin Pei - TRADUÇÃO CÉSAR TONHEIRO - 14 ABR, 2022 -

Sete décadas atrás, Mao Zedong abraçou a autossuficiência econômica e a militância na política externa, o que transformou a China em um estado pária empobrecido. Essa história deve ser um forte aviso ao líder Xi Jinping: se ele permitir que a Rússia divida o mundo com sua guerra contra a Ucrânia, será a China que pagará o preço mais alto.


CLAREMONT, CALIFÓRNIA – A guerra não provocada da Rússia contra a Ucrânia acelerou a divisão do mundo em dois blocos, um compreendendo as democracias mundiais e o outro suas autocracias. Isso, por sua vez, expôs os riscos inerentes à interdependência econômica entre países com ideologias e interesses de segurança conflitantes. E embora o próximo processo de desglobalização deixe todos em pior situação, a China é quem mais perderá.



É claro que a China estava caminhando para uma dissociação pelo menos parcial dos Estados Unidos bem antes de a Rússia invadir a Ucrânia. E tem procurado garantir que esse processo aconteça nos seus termos, reduzindo sua dependência dos mercados e da tecnologia dos EUA. Para isso, em 2020, a China apresentou sua chamada estratégia de dupla circulação, que visa fomentar a demanda doméstica e a autossuficiência tecnológica.


E, no entanto, no ano passado, a China ainda era o maior exportador mundial, enviando US$ 3,3 trilhões em mercadorias para o resto do mundo, sendo os EUA seu principal mercado de exportação. De fato, o comércio geral com os EUA cresceu mais de 20% em 2021, já que o comércio total chinês atingiu um novo recorde. O comércio com a União Europeia também cresceu, chegando a US$ 828 bilhões, mesmo quando divergências sobre direitos humanos torpedearam um controverso acordo de investimento UE-China.


Esse acordo nasceu da crença de que a Europa manteria a neutralidade estratégica na guerra fria sino-americana, a fim de colher os benefícios econômicos do engajamento com a China. Mas se as preocupações com os direitos humanos foram suficientes para convencer o Parlamento Europeu a não ratificar o acordo, a guerra da Rússia contra a Ucrânia – que a China apoiou tacitamente e que aproximou os EUA e a UE – parece levar a UE a uma dissociação econômica mais ampla da China.


Não se pode culpar as democracias ocidentais ou seus adversários autocráticos por priorizar a segurança sobre o bem-estar econômico. Mas eles devem se preparar para as consequências econômicas. E uma autocracia de renda média como a China terá um custo muito maior do que democracias ricas como os EUA e seus aliados europeus.


Para começar, a China sofrerá com o acesso reduzido aos principais mercados ocidentais. Em 2021, as exportações de mercadorias chinesas para os EUA, UE e Japão – representando 38% do total das exportações – totalizaram quase US$ 1,3 trilhão. Se o acesso da China a esses três mercados for reduzido pela metade na próxima década – um cenário provável – o país precisará de outros mercados para absorver cerca de 20% de suas exportações, no valor de cerca de US$ 600 bilhões (com base em dados comerciais de 2021).


Aqui, a China parece não ter boas opções. A estratégia de dupla circulação da China indica que nem mesmo seus líderes esperam que outros mercados externos recuperem a folga deixada pelos EUA e seus aliados. Mas a aparente crença da China de que a demanda doméstica pode compensar essa perda também parece forçada.


O alto endividamento, o rápido envelhecimento da população e a implosão do setor imobiliário continuarão a prejudicar o crescimento do PIB, enquanto a acentuada desigualdade de renda, o aumento dos custos da habitação e as proteções sociais inadequadas restringirão a demanda do consumidor. O fechamento de fábricas que produzem bens para exportação e as perdas de empregos associadas agravarão ainda mais esses desafios. Uma parcela significativa da infraestrutura da China – especialmente redes de energia e transporte – será subutilizada ou até se tornará redundante.


Além de enfrentar mercados de exportação cada vez menores, a China perderá acesso às tecnologias de que precisa para construir uma economia do conhecimento. As sanções dos EUA já paralisaram a gigante de telecomunicações Huawei e impediram a SMIC, fabricante de semicondutores, de colocar as mãos nas tecnologias mais avançadas. Se os EUA persuadirem a UE e o Japão a reavivar o Comitê de Coordenação de Controles Multilaterais de Exportação (CoCom) para sufocar os fluxos de tecnologia para a China – uma perspectiva tornada mais provável pela guerra na Ucrânia – a China terá poucas chances de vencer a corrida tecnológica com os EUA.


O terceiro custo-chave da desglobalização para a China é mais difícil de medir, mas pode vir a ser o mais alto: a perda de ganhos de eficiência da competição dinâmica. Os produtos fabricados e vendidos na China são de qualidade muito mais alta hoje do que há duas décadas, em grande parte porque as empresas chinesas precisam competir com seus rivais ocidentais. Mas se eles estiverem isolados de tal pressão, eles não enfrentarão pressão para produzir produtos de maior qualidade a um custo menor. Isso dificultará a inovação e prejudicará os consumidores.


Todos esses custos poderiam ser suportáveis se a dissociação econômica realmente tornasse a China mais segura. E, a princípio, pode parecer estar fazendo exatamente isso, com a China reduzindo sua vulnerabilidade aos tipos de armas econômicas e financeiras que o Ocidente implantou contra a Rússia. Mas, à medida que o poder econômico da China diminui, sua posição no cenário global também diminui – e o status do Partido Comunista em casa idem.


Sete décadas atrás, Mao Zedong abraçou a autossuficiência econômica e a militância na política externa, o que transformou a China em um estado pária empobrecido. Essa história deve ser um forte aviso ao presidente Xi Jinping: se ele permitir que a Rússia, o parceiro estratégico “sem limites” da China, divida o mundo com sua guerra contra a Ucrânia, será a China que pagará o preço mais alto.


Minxin Pei, Professor de Administração no Claremont McKenna College, é membro sênior não residente do German Marshall Fund dos Estados Unidos.




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