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Salvando a Face da Esquerda

HEITOR DE PAOLA - MÍDIA SEM MÁSCARA - 20 AGO, 2005


Como já foi dito aqui por inúmeros articulistas, para os movimentos de esquerda ninguém é importante: só a “Causa”, a “Idéia”, a “Utopia” ou que nome se quiser dar à coisa, que precisa ser salva de qualquer maneira. O protótipo vem ocorrendo há mais de duzentos anos com catatais de livros e artigos tentando enterrar a verdade sob os escombros de mentiras e mais mentiras para salvar um movimento que deu a si mesmo o nome de “iluminismo”. A verdade a ser soterrada era que o Terror de Robespierre, Danton et caterva era a conseqüência lógica e inevitável da Revolução Francesa, não um “acidente de percurso”.

Our radical generation was hardly the first (and not the last) to repent and regroup in (such) careless haste. The cycle of guilt was integral (…) to the progress of the Left. (…) How have the redemptive illusions that inspire the Left been so relentlessly renewed in radical generation after generation, despite the rebuke of human tragedy that has attended each of its triumphs? How has the Left negotiated these rebirths? What are the consequences?

David Horowitz
The Politics of Bad Faith


No século passado, o mais importante foi o falso processo de “desestalinização” da URSS em 1956-58. Naqueles tempos foi preciso negar o stalinismo repressor como conseqüência inevitável do processo revolucionário de 1917 – inclusive que se iniciara com a violenta repressão e morticínio levados a efeito ainda por Lenin - como se tivesse sido um “acidente de percurso” devido à sanha assassina de Stalin. Mais uma vez em 1989-91 repetiu-se a farsa com a Perestroika e a Queda do Muro de Berlin. Lembro-me de ter estado num Congresso de psicanálise em Montevidéu em julho de 1992 onde ao invés dos temas clínicos programados só se discutia a imensa perplexidade e desapontamento com o chamado “fim do socialismo real”. Para quem não sabe, uma esmagadora maioria de psicanalistas era e é comunista, assim como seus pares em outras áreas do mundo intelectualóide. Para quem estava de fora era risível, mas preocupante, a imensa frustração reinante.

No entanto, o uso do termo real para adjetivar o regime comunista da URSS já dava o tom para o que viria: aquilo tinha sido – mais uma vez – um acidente de percurso, um desvio ideológico levado a efeito por pessoas que não estavam à altura dos nobres ideais socialistas. Aquilo não tinha sido, ainda, o verdadeiro socialismo, o próprio Paraíso na Terra. Da mesma forma que Stalin tinha sido acusado de “desvios fascistas”, seus sucessores foram condenados por “desvios de direita”. Quer dizer, a esquerda representa a pureza; a direita tudo o que é diabólico. Enquanto a esquerda consegue esconder os fatos, é esquerda; quando os fatos vêm à tona, é por causa de um desvio de direita. E é isto que estamos vendo se repetir monotonamente no Brasil a respeito da quadrilha de gângsteres petistas que se apossou do poder para implantar um governo “ético” e defensor dos “excluídos”. Se já tivessem conseguido o intento para o qual o dinheiro vem sendo roubado – a plena ditadura com imprensa totalmente amordaçada e Congresso fechado ou controlado através de eleições fraudulentas à la Chávez – seriam necessárias muitas mortes, prisões e torturas até que, em algum futuro distante, se iniciasse um processo de “deslulificação” ou “despetização” para “provar” que Lula e/ou o PT tinham mais uma vez traído os nobres ideais iluministas e feito “desvios à direita” e ao reino das sombras. Como alguém foi com sede demais ao pote e deixou alguns aliados de ocasião sem o precioso líquido do referido pote, “deu-se a melódia”, como se dizia lá no sul no meu tempo: os verdadeiros excluídos, aqueles excluídos da roubalheira, passaram a dar com a língua nos dentes – o grito dos excluídos! - e a tampa do esgoto abriu-se antes da hora, quando ainda não estava coberta com o peso de inúmeros cadáveres de elementos “anti-revolucionários a serviço da potência imperialista hegemônica e do grande capital internacional”. Começou aí a blindagem, não de ninguém em particular, mas da “causa”, da “idéia”. É claro que se der para salvá-la com o PT intacto, melhor. Se não der, sacrifiquem-se José Dirceu, Delúbio e quem mais for necessário. Blindagem do Lula? Só enquanto marqueteiros veniais, doleiros e prostitutas - as companhias ideais e adequadas dos petistas – não abrirem o bico. Pois a queimação do próprio já começou, a princípio discretamente mas já se podem ver os sinais de fumaça negra à distância. Manobra da oposição venial, covarde, tão corrupta quanto, não é, pois parece que os ânimos impichadores arrefeceram depois que surgiu uma tal agenda de cafetina (perdão, o politicamente correto é “animadora” ou “promoter”!) que anda escondida e apavorada de ser vítima de queima de arquivo. Parece o tempo em que Gregório Fortunato – quem lembra? O Anjo Negro de Getúlio Vargas – protegia cafetinas que serviam suas meninas para impolutos próceres da Nação. Como a tal agenda estaria segura no exterior, parece que tem muita gente interessada em dizer “senta que o leão é manso”, não faz marola! Não, a queima do Lula está sendo ensaiada aos poucos por quem tem o máximo interesse em manter a má fé ideológica: os indefectíveis “intelectuais” que na falta do que dizer preferem manter o silêncio até amainar a correnteza e voltarem aos mesmos discursos hipócritas; Helio Bicudo, comunista, fundador e petista histórico; o P-SOL que quer conseguir o lugar do PT como, agora sim, finalmente um partido ético; a CNBdoB e o apóstata Betto que querem livrar sua cara de terem parido o bicho. Finalmente um núcleo de “esquerda” (tem direita, é?) do PT cujo representante, Chico Alencar – aquele que quando fala seus olhos miram um infinito imperscrutável – que declarou que “o Povo Eleito levou 40 anos para atingir Canaã e ao próprio Moisés foi proibido de entrar na Terra Santa. Mas ela existe!” Existe sim, é a sociedade revelada pela glasnost, onde existia “o mais moderno e completo sistema educacional da história”, um país em que, com as mais baixas temperaturas do planeta, 21% das crianças estudavam em escolas sem aquecimento, 30% destas escolas não possuíam água corrente e 40% nem esgoto. Onde 70 anos após a revolução proletária 40% da população geral e 79% dos idosos viviam em pobreza sub-sahariana. Onde em 1989 a quota de carne per capita era menos da metade daquela de 1913 quando o paraíso era o inferno tzarista. Onde se faziam greves para conseguir um pedaço de sabão por mês! Onde 2/3 das casas não tinham água quente e 1/3 nenhum tipo de água corrente. Onde a posse de automóveis e eletrodomésticos era menor do que nos bairros negros mais pobres da África do Sul, em pleno apartheid! País essencialmente pacífico onde se gastava 25% do PIB em gastos militares, enquanto o inimigo agressor e fazedor de guerras gastava apavorantes 6%! Onde 30% dos hospitais não tinham água e só se conseguia atendimento do maravilhoso serviço de saúde “pública” mediante propinas! Talvez o mais impressionante exemplo da superioridade do capitalismo seja o que ocorreu quanto foi aberta a primeira loja McDonald em Moscou: para comer algo que prestasse, os moscovitas esperavam 4 horas numa fila, com frio de rachar, para gastar com um hambúrguer, fritas e coca-cola o correspondente a 2/3 ou mais do seu salário diário! Mas é exatamente nisto que se prende a contribuição teórica mais hipócrita das esquerdas: uma crítica moralista da “sociedade de consumo” gerada pelo capitalismo, e para isto existem os muros e as “cortinas” que impedem seus cidadãos de serem “corrompidos” por estas bobagens burguesas. Ninguém me venha com choros teatrais, com “sonho que acabou”, com falsas decepções com uma sociedade melhor prometida pelos comunistas! Jamais houve sonho algum, o único objetivo é o poder pelo poder. A única resposta que posso dar à indagação de Horowitz, também um ex-esquerdista que conheceu as entranhas destes partidos diabólicos como eu, de como é possível esta eterna renovação das mentiras, é que não passa da mais pura necessidade humana de viver num estado de eterna hipocrisia! É, como o título do seu livro bem o diz, simples, clara e pura má-fé. Não só das esquerdas, pois até pessoas de outras ideologias, ao menos na aparência, alguns que até combateram as esquerdas com armas na mão, hoje confiam a saída a Heloísas Helenas, Babás, Frossards e outros que só estão à espreita para abocanharem suas partes.


 
MSM 20 de agosto de 2005

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