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PRESIDIÁRIOS

04/10/2019


- Jacy de Souza Mendonça -







Minha pequena Comarca não tinha presídio, nem precisava, porque o número de presidiários era muito pequeno. A Delegacia de Polícia fora instalada em um velho casarão alugado, onde dois dormitórios foram reformados e reforçados com grades de ferro que se transformaram em celas para abrigar os réus em casos de aprisionamentos provisórios; quando definitivos, os condenados eram levados para o presídio central, em Porto Alegre, onde permaneciam até o cumprimento da pena. No prédio, trabalhavam o Delegado, um auxiliar e alguns guardas, ou brigadianos como lá eram chamados.

Naquele dia estava eu em meu gabinete, no fórum, lendo alguns processos, quando percebi que dois cidadãos entravam sem ser anunciados e aproximavam-se de mim. Levantei os olhos e dei-me conta de que eram os dois presidiários que, naquele dia, deveriam estar ocupando as celas a eles destinadas. Tinham vindo tranquilamente caminhando pela rua, entraram no fórum sem a mínima dificuldade, invadiram meu gabinete sem cerimônia e ali estavam pretendendo conversar comigo. Não tive tempo sequer de preocupar-me, pois, antes que abrisse a boca, eles jogaram duas chaves sobre minha mesa e se explicaram:

– Desculpe, doutor, mas fomos obrigados. Os guardas do presídio começaram a brigar com tal violência que precisamos sair de nossas celas para apartá-los. Colocamos, então, um em cada cela, trancafiamos as portas e viemos trazer-lhe as chaves, porque não sabemos o que fazer...

Lembrei-me, na mesma hora de um interessante livro do escritor inglês Chesterton que lera há pouco, O Homem que foi Quinta-feira, no qual ele conclui com uma sentença lapidar: todo policial é um delinquente disfarçado e todo criminoso é um policial disfarçado... Dei-me conta de que o autor tinha razão e de que o fenômeno ocorria não apenas na época dele.

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