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Presidente: há sim comoção interior

29/05/2019


- Eduardo Mackenzie -



O presidente Iván Duque não pode ver o que ocorre no país? Ele é provavelmente o homem mais informado da Colômbia. Em seu birô se acumulam os informes dos serviços de inteligência e dos ministérios sobre os mais candentes temas. Não parece que a essas análises lhes falte qualidade. Entretanto, a resposta do mandatário é abúlica.



Ontem, graças à televisão, todo o país viu com angústia e cólera a estrepitosa tentativa de um chefe fariano, Santrich, de escapar de La Picota com a descarada ajuda da JEP. Viu depois a recaptura do guerrilheiro três minutos depois que cruzou a porta da penitenciária, e viu seu embarque forçado em um helicóptero que o levou de novo ao bunker da Promotoria, apesar dos agressivos protestos da JEP e dos amigos do extraditável. O presidente Duque respondeu a isso com uma curta aparição. Ele tratou esse episódio excepcional como se fosse algo perfeitamente rotineiro.



Seu discurso de dois minutos e meio foi em tom peremptório. Porém, o fundo foi frouxo. Não aludiu nem uma só vez o problema da JEP e se absteve de mencionar a palavra extradição. Porém, a JEP é a entidade que pressionou e deu a ordem de pôr em liberdade o chefe narco-comunista. A JEP é a entidade que resolveu (de maneira arbitrária) que Santrich não seria extraditado. A JEP criou a grotesca situação que os colombianos criticamos todos os dias.



Vimos ontem como um organismo artificial, não instituído pela Constituição nacional, se impunha como a nova ordem jurídica do país, emergia como um monstro capaz de tirar do cárcere um traficante de droga pedido por um tribunal americano. Vimos como a JEP podia pulverizar o Estado de Direito, violar um tratado de extradição, transgredir as orientações do governo nacional, assim como a missão dos serviços do Estado, da Promotoria Geral (a entidade que havia ordenado a captura de Santrich em abril de 2018), do poder judiciário e até do poder legislativo. A opinião pública viu com assombro que ao Promotor Geral lhe restou a renúncia ao cargo como último recurso para não validar a investida da JEP. Viu como o engendro subversivo que os colombianos havíamos rechaçado expressamente em outubro de 2016, mediante um referendo, era exaltado pela JEP.



Porém, Duque não quis ver o que havia sobre o tapete: uma situação de comoção interior. Ele aborda esse incêndio institucional com tibieza, como se acreditasse que semelhante golpe político-judicial será conjurado com uma intervenção de dois minutos. Ele estimou que o país ficaria satisfeito pelo encanto de suas frases. Sua ambigüidade mostrou, em minha opinião, que ele não consegue, mesmo nos momentos mais álgidos, tomar o pulso às calamidades do país. Isso não explica, em parte, a queda em picada do respaldo popular à sua gestão?



Duque falou sim de lutar "contra a reincidência criminal" mas não mencionou a JEP que é, precisamente, o órgão que tratou de deixar em liberdade um reincidente criminoso. Duque disse: "Toda nossa institucionalidade continuará trabalhando para que não haja impunidade". Mas acaso ele conta a JEP dentro de "nossa institucionalidade"? A ausência de repúdio ao ato da JEP em seu discurso faz pensar que ele vê esse aborto fabricado em Havana como um elemento de "nossa institucionalidade". Isso explica o fracasso de Duque em sua tímida tentativa de fazer aprovar no Congresso só seis objeções à JEP.



É certo, a re-captura de Santrich poupa ao país, por um momento, o espetáculo bufo de ver esse indivíduo posando de senador. Porém não resolve nada. Dilata sim a incerteza frente a esse desafio. Da Promotoria Santrich passou em seguida a uma clínica em Bogotá para evitar nova audiência de imputação de cargos. E a JEP, ao seguir intacta, retomará sua ofensiva. Sem a extradição de Santrich, tudo continuará em um limbo. As relações da Colômbia com os Estados Unidos se deterioram e o governo perde terreno.



O país pede medidas rápidas para sair desse impasse, e ações contra a JEP, pináculo da ofensiva subversiva, pois sabe que essas soluções existem. A maioria pede a abolição pura e simples da JEP. Nem os próprios sábios da Corte Constitucional podem explicar como o acordo final de Santos-FARC é a outra cabeça que nasceu de repente na Constituição de 1991. Um país, duas Constituições. Colômbia, um caso único no mundo.



Duque não quer tomar decisões. Rechaça o que pode pôr fim ao pesadelo institucional. A constituinte, a reforma da justiça, um referendo revocatório e a figura da comoção interior foram rechaçadas por ele. Esta última poderia tirar do país a pestilência trazida de Havana. Porém, não quer fazer nada, salvo frases e discursos "contundentes".



Ante a bofetada do 15 de maio alguns congressistas pediram para recorrer à comoção interior para extraditar Santrich. Duque os mandou plantar batatas e a vice-presidente Marta Lucía Ramírez os qualificou como "irresponsáveis". Em troca, um testamenteiro das FARC, instigador dos maiores assaltos contra o Estado de Direito, não foi repreendido quando anunciou que o presidente "é respeitoso do Estado de Direito" por haver renunciado a decretar a comoção interior.



É provável que Iván Duque tenha uma visão excessivamente restritiva do que é um comoção interior, embora os critérios do Artigo 213 da Constituição sejam claros e respondam ao que ocorre hoje. Ele deve admitir que a Colômbia vive nestes momentos uma grave perturbação da ordem pública, que afeta de maneira iminente a estabilidade institucional, a segurança do Estado e a convivência cidadã.



Não acreditemos que só uma ofensiva guerrilheira, ou uma greve insurrecional são graves perturbações da ordem pública. A ordem pública é perturbada se há um desmoronamento do sistema jurídico. É o que vemos. O país perdeu sua estabilidade institucional. A polarização social se agrava. A convivência cidadã é cada vez mais difícil.



Desde 1991, o poder executivo decretou cinco vezes a comoção interior. Três foram validadas pela Corte Constitucional. Duas das três foram para fazer frente a escaladas terroristas e a outra para impedir a fuga de presos (para-militares e guerrilheiros). Hoje a escalada inclui esses mesmos fatores e os agrava: narco-terrorismo nos campos e cidades (Escola de Polícia de Bogotá), irrupção de um furúnculo de poder judicial que se pretende hegemônico (a JEP), protestos "universitários" violentos, intrigas para tirar o ministro da Defesa e o Comandante do Exército, artigos do NYT plenos de fake news sobre as Forças Armadas da Colômbia, ameaças militares da ditadura venezuelana e até do governo russo. Tudo bem coordenado e ao mesmo tempo. Entretanto, tudo vai bem no melhor dos mundos.



Duque está fazendo mal. Quer "fortalecer a extradição" com os partidos que apoiaram a agenda de Santos. Desse conclave sairá com as mãos ainda mais atadas. Alguém tem que dizer isso. Ninguém lhe pede que radicalize o discurso. Pedem-lhe que utilize a Constituição, que una o país e lute a fundo contra o processo subversivo. Não basta comentar e gerenciar a crise: é necessário tratá-la a fundo.



A Constituição de 1991 debilitou a função presidecial, e reforçou os outros poderes, mas deixou ao executivo algumas alavancas de governo. Duque deve utilizá-las. O que ainda está esperando?



Tradução: Graça Salgueiro




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