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Os Três Patetas

HEITOR DE PAOLA - MÍDIA SEM MÁSCARA - 7 DE DEZEMRO, 2007


Há onze anos dois livros abalaram o pouco que ainda restava da intelectualidade brasileira que, em sua grande maioria se não estava totalmente idiotizada pelo marxismo, sucumbira às teses social-democratas e “anti-imperialistas” uspianas e cepalinas.


"O demagogo é aquele que prega doutrinas que sabe falsas a homens que sabe idiotas”.
H. L. MENCKEN

O primeiro, “O Imbecil Coletivo: atualidades inculturais brasileiras”, de Olavo de Carvalho, fazia uma arrasadora e definitiva crítica dos intelectuais, artistas, pessoal do show bussiness e do beautiful people tupiniquim. Encerrava uma trilogia iniciada pelos menos conhecidos e filosoficamente mais profundos “A Nova Era e a Revolução Cultural” (de 1994) e prosseguida com “O Jardim das Aflições” (de 1995). Nesta série, pela primeira vez pelas mãos de um liberal-conservador vinha à luz um personagem macabro, Antonio Gramsci, e sua obra nefasta era dissecada aos mínimos detalhes.



No mesmo ano, mas só publicado no Brasil um ano depois, surgia o “Manual do perfeito idiota latino-americano”, de Plínio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa. Segundo o prefaciador, Roberto Campos, “o Manual é uma devastadora catilinária contra a mitologia latino-americana dos nacional-populistas e esquerdistas” (...) esses “contumazes idólatras do fracasso que recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado”. Foi realmente um bálsamo que surgira para arejar a pesada nuvem negra que dominava os debates, sempre carrancudos e rancorosos, quando não truculentos, dos principais temas nacionais e latino-americanos.


Pois dez anos depois, infelizmente, os denunciadores (*) de idiotas se apatetaram e cometeram um novo livro, “A Volta do Idiota” (Odisséia, 2007). Diferentemente do primeiro, neste eles falam de uma América Latina formada por suas próprias teorias e que pouco tem com a realidade do Continente. Uma América Latina onde o Foro de São Paulo não contou com a participação dos fundadores Lula e PT, com um Hugo Chávez surgido do nada, onde o principal país do continente só é comentado superficialmente, onde só existem “populismos”, “caudilhismos” e não se fala de comunismo exceto algumas vezes em relação a Cuba, e sem luta armada nem “Teodemonologia da Libertação”. A mais extravagante das teses é a da existência de duas esquerdas: a carnívora e a vegetariana.


* * *


Em primeiro lugar, não deixando claro se concordam ou não que “o chamado socialismo real acabou na Europa quando o Muro de Berlim foi derrubado”, acrescentam que, para o idiota “agora existe, do outro lado do Atlântico um novo (sonho), mais promissor, o socialismo do século XXI” que “ninguém, nem mesmo Chávez, conseguiu explicar no que consiste...”.


Ora, é indesculpável que os autores, que se pretendem analistas políticos do primeiro rank, jamais tenham ouvido falar das atas de fundação do Foro de São Paulo, instituição só citada en passant como se tivesse importância secundária ou terciária, onde Fidel e Lula deixam claro o objetivo da organização: “recuperar na América Latina o que foi perdido da Europa do Leste”. E que jamais tenham lido os artigos de Marco Aurélio Garcia, o verdadeiro artífice do Foro, sobre a “refundação do comunismo”! Se o fizessem saberiam: é isto o “socialismo do século XXI” - comunismo puro e simples! Ainda falando nisto, é impressionante o esforço dos autores para evitar esta palavra tabu, quase sempre substituída por “populismo” ou “esquerdismo”, no máximo “socialismo”! Em “Temas do passado” eles afirmam que a luta armada só “subsiste na Colômbia, como uma representação anacrônica e sangrenta dos delírios revolucionários dos anos 1960”, negando a ação destruidora da Via Campesina, do MST, da Revolução Quilombola, do Movimento dos Atingidos por Barragens, e outros.


Quer dizer, do Brasil silêncio absoluto! Também a “Teodemonologia” da Libertação é dada como decadente, negando a enorme influência de “frei” (uma ova!) Betto, Pedro Casaldáliga, Boff e da CNBB abjetamente prostrada aos pés de Che Guevara deixando Jesus Cristo ao abandono. Há poucos dias, logo após os ataques vitriólicos de Chávez à Igreja Católica venezuelana, um grupo de jovens católicos tentou rezar uma Missa no Rio de Janeiro e pedir à Assembléia Legislativa que revogasse a cidadania concedida a ele e não encontrou um único padre para rezá-la!


Também não se ouviu um pio da comunidade judaica brasileira pela grotesca invasão do Colegio y Centro Social, Cultural y Deportivo Hebraica de Caracas na calada da noite do referendum. Além das outras críticas pertinentes, inclusive à edição sofrível do livro, sem referências bibliográficas – culpa dos autores que devem se achar acima de quaisquer suspeitas - nem índice remissivo, o que uma boa editora teria providenciado (a desculpa de papai Llosa no prólogo de que se trata de um folhetim é indesculpável, já que trata de assuntos da maior relevância para o futuro de nosso continente que não deveria ser tratado folhetinescamente, mas com seriedade científica), passo imediatamente ao crème de la crème: a existência de duas esquerdas.


* * *


A esquerda “carnívora”, alvo da maior parte do livro está representada por Chávez e Morales e são sérios candidatos Correa, Lopez Obrador, Humala e Daniel Ortega. Kirchner é muito bem qualificado como “peronista estrábico” e, enquanto peronista, ninguém sabe para onde ele irá. Deve-se notar que os capítulos reservados a esta esquerda parecem estar de acordo com a realidade, mas é aí mesmo, ao descrever o “terceiro ato” do regime “populista” (?) cubano que começa o engodo.


Dizem os autores que nos anos 90 começa a agonia do regime, mas sequer fazem a menor referência que precisamente aí foi fundado o Foro de São Paulo como um sucessor da antiga OLAS (Organización Latino Americana de Solidaridad), para salvar o comunismo.


Subitamente, como se fosse de geração espontânea, “nisso surgiu Hugo Chávez”, em 1998! Pronto, por milagre estava salvo Fidel. A intensa articulação levada a efeito por Lula, Marco Aurélio, José Dirceu, as FARC, e todos os movimentos comunistas latino-americanos são substituídos por um espantoso parto virginal! Se não conseguem ter acesso à extensa publicação sobre o Foro entre nós, é impossível que não tenham tomado conhecimento dos escritos do Dr. Constantine Menges do Hudson Institute. A esquerda “vegetativa” incluiria Lula, Bachelet e Tabaré Vasquez. Iniciando pelo Chile dizem que “...a idiotice tem cura, cedo ou tarde, como o demonstraram os socialistas chilenos”. Citam que a nova esquerda chilena aderiu ao controle dos gastos públicos, à redução do Estado, à segurança jurídica, ao clima hospitaleiro para os investimentos estrangeiros, serviços competitivos de saúde e gestão privada dos fundos de pensão.


Aqui não tenho dúvida: mentem! Mentem descaradamente ao descrever o programa econômico do governo Pinochet, só citado como um ditador bárbaro, e atribuir esta racionalidade econômica aos “socialistas chilenos”. O que ocorreu no Chile é que a chamada concertación entre socialistas e democratas cristãos, que substituiu Pinochet, não pôde mudar nada criado pelos chicago boys pois a imensa maioria dos eleitores os rejeitaria! Até mesmo chilenos anti-pinochetistas, com a exceção óbvia dos comunistas e do MIR, não querem nem ouvir falar de acabar com a estabilidade econômica conseguida a ferro e fogo na década de 70.


Simultaneamente, ao maximizar o papel de Chávez e fazer de tudo para ocultar o de Lula, tentam desviar a atenção dos leitores do verdadeiro centro da subversão comunista na América Latina: Brasília e não Caracas. Palácio do Planalto, e não o de Miraflores. Têm a audácia de dizer que “na hora de estabelecer alianças internacionais, a esquerda vegetariana se considera obrigada a apoiar a carnívora, embora dentro de cada país não siga seus passos em nada” (negrito meu).


Será que os brilhantes autores jamais ouviram falar da velha e gasta, porém ainda eficientíssima estratégia das tesouras desde sempre a preferida pelos comunistas? Será que nunca leram a frase de Lula “enquanto o Chávez vai numa Ferrari a 200 por hora, eu vou num fusquinha a 60, mas chegaremos ao mesmo lugar?” Ou a de Chávez, do mesmo teor, apaziguando o pessoal do Forum Social Mundial que vaiara Lula? Podem alegar desconhecimento, mas então que não se metam a escrever livros supostamente sérios, de que enquanto Chávez e Morales seguem Lenin, Lula aplica pacientemente o programa original de Marx: atingir o comunismo via tributação progressiva crescente, e o comunismo nunca deixou de ser marxismo-leninismo aplicado em doses proporcionais adequadas à época e ao local.


Em 1917 Lenin trocou o fusquinha herdado de Marx por uma Ferrari, esta a única diferença. Tal como o Chile, o Brasil teve um governo competente e sério de militares, que se mostrou até 1974 progressista e até certo ponto – menos aqui do que lá – liberalizante da economia. O enorme crescimento da economia brasileira entre 1964 e 1974 – o “milagre brasileiro” -, lamentavelmente engessado pela estatização de Geisel, legou-nos um parque industrial que não admitiria mais do que o fusquinha. A Ferrari já tem dono: os empresários inescrupulosos que adoram usar a mão de obra quase escrava dos regimes comunistas.


Já a história da Venezuela e da Bolívia é uma sucessão de ditaduras fajutas entremeadas de democracias altamente corruptas e exploradoras. O esforço para a ocultação de Lula (“vegetariano na ordem interna, Lula se apresenta no exterior como um amigo de Castro e Chávez”) vai a ponto de num recente artigo de Montaner (“Lula, o senhor de escravos”, 12/08/07), ao comentar a entrega de Lula a Fidel (num avião venezuelano, o que não é dito) dos atletas cubanos que queriam asilo, ser dito que “o próprio Fidel Castro, que é o proprietário destes rapazes, se comunicou com Lula da Silva e exigiu que ele colaborasse com a imediata devolução da mercadoria. Lula, que entende a lógica dos senhores de escravos, se compadeceu do velho e enfermo ditador. (...) Os negros eram seus. Esta triste história revela exatamente a natureza do regime cubano”. (Atenção historiadores e cientistas políticos: Cuba é um regime igual ao que imperou nos EUA até a Guerra Civil e no Brasil até 1888, não é comunista, não, isto é só paranóia da guerra fria!). E prossegue: “O difícil de entender é a vil colaboração do presidente Lula da Silva com esta infâmia moral. Não se presume que estamos diante do primeiro presidente latino-americano que provém da classe operária, o primeiro que poderia entender melhor que ninguém a tragédia dos oprimidos? Pensaria que a liberdade destes dois pobres boxeadores negros não tem a menor importância? Pode ser. Assim pensavam os senhores de escravos". E isto da lavra de um cubano que apoiou inicialmente Castro e depois se asilou na Espanha.


* * *


Já existiam indícios, há muito tempo, de que ao menos dois dos três autores (pouco me atualizei sobre Apuleyo) haviam mudado de opinião. Vargas Llosa, o pai que prefacia o livro, e o filho, estão muito mais para social-democratas do que para o liberalismo que era sua marca registrada. O mesmo vem ocorrendo com Montaner. Eu já conhecia algo disto desde maio de 2005 quando, numa Mesa Redonda sobre A Freedom Agenda for the Americas do Atlas Liberty Forum em Miami, após defender a agenda baseada numa esquerda, então chamada moderada, para fazer frente à outra esquerda, então chamada radical, saiu-se com esta pérola: “Yo creo que José Dirceu hizo un cambio ideológico”. Tendo eu e outros brasileiros atônitos abordado Montaner privadamente após a reunião, caiu a máscara da empáfia e o peremptório “creo” transmutou-se num simples “a mi, por lo menos, me parece que sea”, saindo de fininho logo depois.


Coordenara a reunião Stephen Jonhson, ex-funcionário do Departamento de Estado e atual Analista Político Senior para a América Latina do Instituto de Estudos Internacionais Kathryn and Shelby Cullom Davis, da Heritage Foundation. Pois esta visão da América Latina é de sua autoria e fez parte do projeto para sua aceitação como Analista Político. Numa reunião anterior por ele presidida sobre Think Tanks and Security Policy impressionou-me o discurso do ex-Secretário de Estado Adjunto para a América Latina, Otto Reich, pela total ausência de qualquer menção ao Brasil. Por sua vez, o Almirante (da Reserva) venezuelano Carratu Molina não incluíra o MST nem nenhuma outra organização brasileira numa extensa lista de grupos terroristas e guerrilheiros. Exatamente como no livro atual, parecia que o Brasil não existia e era tabu falar do país de Lula e do PT.


Teriam os antigos autores outrora espontâneos e sinceros que com simplicidade denunciavam os idiotas, se deixado seduzir e apatetar pelas glórias – e pelos grants – acadêmicos das organizações liberais e conservadoras americanas?


Saída dos fornos da Heritage Foundation, entidade de grande valor, este modelo de entendimento - deve ser defendido com unhas e dentes -, é constituído de dois pontos principais: 1) Existem duas esquerdas na América Latina 2) A estratégia do Departamento de Estado e da Casa Branca para a região deve ser a de usar a esquerda “vegetativa” para contrabalançar e moderar a “carnívora”. Requentada pelo Council on Foreign Relations, a Trilateral Commission e o Inter-American Dialogue é esta estratégia que leva Bush a conceder tratamento preferencial a Lula e à reação da Casa Branca após o referendum na Venezuela: o país não é ainda uma democracia confiável como o Brasil.


Teriam se transformado naquilo que diz Mencken na epígrafe deste artigo (aliás retirado do próprio livro): seriam os desinformadores, e agora os idiotas são os liberais latino-americanos? Seria uma lástima! As esquerdas, que quase estrebucharam de raiva há 10 anos, devem estar exultantes agora. Os promissores jovens intelectuais da última década sucumbiram ao que antes denunciavam: construíram um modelo acadêmico e tentam forçar a realidade a se conformar com o mesmo. Exatamente o fundo de sua crítica anterior às esquerdas. Seja como for, o livro não passa de uma perigosa peça de desinformação.


(*) Este artigo foi escrito antes de Plinio Apuleyo Mendoza ter reconhecido que estava errado, quando do lançamento do livro de Alejandro Peña Esclusa sobre o O Foro de São Paulo contra Álvaro Uribe. Fica feita a notificação e meus aplausos a ele.


 
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