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O TRÂNSITO EM JULGADO III

15/10/2019



- Jacy de Souza Mendonça -





Retomo o tema mais uma vez, já que ele está sendo levado novamente à pauta do STF. Em 05/04/2018, divulguei:

Ontem, durante dez horas, escutei Ministros, advogados e comentaristas discutirem sobre a necessidade de a sentença criminal condenatória, para ser executada, ter transitado em julgado. Usavam todos essa mesma expressão, mas com significados diversos, de acordo com os interesses de cada um. Lembrei-me, então, de que, em 8/10/2016, havia publicado um texto sobre essa matéria. Retornei a ele.

Diz-se que a sentença transitou em julgado, ou fez coisa julgada, quando não está mais sujeita a recursos; e o que autoriza a interposição de algum recurso é a Constituição ou são as leis de cada país.

Afirma-se que, nas nações desenvolvidas, o trânsito em julgado só é reconhecido quando esgotada a tramitação de todos os recursos previstos em lei. Data venia, a verdade é exatamente oposta: naqueles países nunca se espera a decisão do último recurso no último grau de jurisdição para considerar a coisa julgada, considerar que a sentença transitou em julgado. Nos Estados Unidos, dá-se o trânsito em julgado já em primeira instância: o condenado passa a cumprir imediatamente a pena que lhe foi imposta e os recursos que lhe são autorizados tramitam com ele preso. O sistema jurídico francês considera transitada em julgado a decisão do recurso em segunda instância. Na Alemanha, considera-se coisa julgada a sentença depois de apreciada por um tribunal que, para nós, equivaleria ao Superior Tribunal de Justiça.

No Brasil, nem a Constituição Federal nem a legislação processual declarou se o trânsito em julgado ocorre na primeira, segunda ou última instância. Só a sentença do Tribunal do Júri (primeira instância), excepcionalmente, é considerada por lei como soberana e por isso deve ser imediatamente executada, embora a crônica forense registre algumas absurdas exceções a essa prescrição.

Como o Juiz não pode deixar de julgar alegando não encontrar lei que discipline a matéria sub judice, optou o STF, inicialmente, pela segunda instância como momento definidor da coisa julgada; mais tarde, inclinou-se pela necessidade de aguardar o julgamento final de todos os recursos previstos em lei. Há quem afirme que isso resultou da Constituição de 1988, embora nela não se encontre nenhuma disposição a respeito. Em fevereiro de 2016, o STF decidiu retornar à orientação anterior, considerando bastante o julgamento em segunda instância. É a regra em vigor, no momento, embora o tema ainda povoe a cabeça de alguns magistrados, estimulados pelos advogados de defesa.

A experiência mostra que aguardar o último julgamento do STF, em um sistema processual como o nosso, no qual o número de recursos possíveis é infinito, considerando-se a inevitável demora que daí resulta, equivale a reduzir a nada todas as condenações penais, pois a decisão final irá ocorrer várias décadas após o fato e até lá deu-se a prescrição, o réu faleceu ou teve oportunidade de fugir. A crônica forense registra casos escandalosos: um empresário condenado em segundo grau manteve-se em liberdade durante quinze anos interpondo recursos protelatórios; um Juiz condenado também em segunda instância ficou 20 anos recorrendo livremente; pior ainda, um jornalista, condenado por unanimidade pelo Tribunal do Júri por ter assassinado a companheira, permaneceu 14 anos em liberdade, graças à interminável interposição de habilidosos recursos protelatórios. Mantida essa orientação, portanto, quem puder pagar bom advogado jamais cumprirá pena. Poderemos dispensar, então, as atividade s policiais, fechar as Delegacias de Polícia e os presídios, esquecer a iniciativa penal do Ministério Público, as Varas da Justiça Penal, autorizar, enfim, os criminosos a agirem tranquilamente impunes na sociedade. A Justiça cuidará apenas dos trombadinhas pobres.

Enquanto continuarmos sem legislação específica sobre a concretização do trânsito em julgado (graças à omissão do Poder Legislativo), o Poder Judiciário precisará assumir a tarefa dessa definição. No momento, é recomendável a opção pelo julgamento condenatório de segunda instância, que atende melhor as peculiaridades do sistema processual brasileiro, até porque até ali esgotou-se a possibilidade de investigação probatória sobre a materialidade e autoria do crime. Não é recomendável aguardar o acórdão final do STF postergado para a eternidade, nem deixar a decisão à pena de um só Juiz; entre esses extremos, resulta prudente a opção pela decisão em segunda instância, o que atende também às prescrições das declarações de direitos humanos.

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