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O Doce Sonho dos Liberais Hegelianos

HEITOR DE PAOLA - MÍDIA SEM MÁSCARA - 13 ABR, 2004


De tal forma o pensamento de Hegel penetrou na cultura ocidental – em grande parte devido à difusão do marxismo – que raros são os que se dão conta de que, quando emitem opiniões políticas, sociológicas ou econômicas, freqüentemente estão condicionados por esta estrutura rígida de pensamento. Quase toda a cultura ocidental moderna é historicista, mesmo sem noção consciente disto. Ora, é do interesse dos comunistas e coletivistas em geral amordaçar o pensamento ocidental, que querem destruir, a estas amarras, pois que assim seu inimigo só poderá lutar dentro nas regras ditadas por eles próprios.


A idéia de que deveria ser possível prever revoluções como se podem prever eclipses (...) é o fundamento do historicismo: o ponto de vista de que a evolução da humanidade segue um enredo e que se conseguirmos descobri-lo,teremos uma chave para nosso futuro.

KARL R. POPPER
Miséria do Historicismo

Da mesma forma que o marxismo não passa de uma ideologia messiânica que projeta um futuro e depois adapta passado e presente ao futuro desejado, existem liberais que pensam exatamente a mesma coisa, com sinais trocados. Ambos são raciocínios baseados nas teses hegelianas que, por estar o autor a soldo do Kaiser, projetou o futuro brilhante do Império Prussiano e adaptou toda a história, atrelando-a a este desejo. De tal forma o pensamento de Hegel penetrou na cultura ocidental – em grande parte devido à difusão do marxismo – que raros são os que se dão conta de que, quando emitem opiniões políticas, sociológicas ou econômicas, freqüentemente estão condicionados por esta estrutura rígida de pensamento. Quase toda a cultura ocidental moderna é historicista, mesmo sem noção consciente disto. Ora, é do interesse dos comunistas e coletivistas em geral amordaçar o pensamento ocidental, que querem destruir, a estas amarras, pois que assim seu inimigo só poderá lutar dentro nas regras ditadas por eles próprios.

A muito poucos pensadores ocidentais ocorre que o determinismo histórico não passa de uma invenção ideológica de Marx para a qual não existe nenhuma comprovação científica. Deriva das noções historicistas anteriores e não passa da aplicação à história da necessidade humana de adivinhar o futuro. É, no fundo, uma teoria religiosa da história. Como bem o disse Popper: “A revolução naturalista (...) contra Deus substituiu o nome de Deus pelo termo Natureza (...) Hegel e Marx, por sua vez, substituíram a deusa Natura pela deusa História” (1). Daí surgiu a noção pseudocientífica de “leis históricas”: poderes, forças, tendências, objetivos e planos da História. “As ofensas contra Deus foram substituídas pelos atos de ‘criminosos que resistem em vão à marcha da História’ ” (op.cit.). É certo que, ao defender esta tese, Marx não se referia aqui a outros que não aqueles infiéis que se opõem aos planos comunistas de transformação da Sociedade os quais ficam, ipso facto, passíveis de punição pelos “agentes da História” – os membros do Partido. É baseados nisto que os comunistas estabelecem os dois pesos e duas medidas: os crimes cometidos por “burgueses”, por definição aqueles que resistem à evolução histórica, são passíveis de morte, enquanto os mesmos crimes, quando cometidos por revolucionários agentes da História, estão de antemão justificados. É por isto também que um dos maiores assassinos do século passado, “Che” Guevara, é glorificado como herói e mártir. É impressionante ver como pensadores que se dizem liberais apresentam o liberalismo dentro deste mesmo sistema, como algo inevitável, como o futuro glorioso da humanidade, a preferência geral dos homens pela liberdade, pensando portanto dentro do esquema hegeliano-marxista. A máxima expressão deste otimismo onírico é o livro de Francis Fukuyama, “O Fim da História”. Um jogo no qual um dos adversários é o dono das regras, quem ganha? Ocorre que os comunistas usam a dialética hegeliana como arma de luta para destruir o liberalismo, a economia capitalista e a democracia política. O próprio Marx, apesar de se dizer convencido de que sabia qual seria o fim da história, não ficou passivo, apoiou as lutas antiliberais de seu tempo, elaborou com Engels o Manifesto Comunista; Lenin, seu mais hábil seguidor, passou definitivamente da passividade à luta revolucionária. Enquanto isto nossos liberais esperam passivamente que os comunistas abram alguma brecha e aí se sentem felizes como crianças com brinquedo novo! Assim foi quando Deng Xiao Ping disse a famosa frase “não importa a cor do gato, desde que mate ratos”. A interpretação dos que denomino “liberais hegelianos” foi a de que Deng se referia à eficiência econômica ao falar dos ratos e como o capitalismo é obviamente mais eficiente do que a estagnação socialista, puseram-se em marcha batida para a China aproveitando a “abertura” para os gatos, numa espécie de “é agora, já ganhamos, vamos lá, mostramos a eles o que é produzir e em pouco tempo a China será capitalista”. Esquecem, porque não apreciam muito pensar, que a luta é ideológica e pelo poder, e não de eficiência. Ou será que alguém acredita realmente que os comunistas não sabem que o capitalismo é mais eficiente? Se Fidel Castro quisesse eficiência já teria aberto a economia cubana há muito tempo, pois burro ele não é, e sabe muito bem que está matando o povo cubano de fome. O desinteresse dos liberais por ideologia é devido, em grande parte, a estarem ligados e a serviço de empresários capitalistas cujo único interesse é o lucro fácil, o que implica na falta de qualquer noção ética, fazendo com que se sintam entusiasmados pelo trabalho escravo, que é em última análise o que está acontecendo na China, caracterizando o que se pode chamar com propriedade de “capitalismo selvagem”. É fato notório que empresários não são liberais, são mercantilistas e se atrelam facilmente aos governos que lhes abrem contratos milionários, muitas vezes, envolvendo graus variáveis de corrupção. É muito mais fácil participar de uma pseudoconcorrência para contratos governamentais, onde o que decide é a propina ou as combinações prévias entre os “concorrentes”, do que enfrentar a verdadeira competição do livre mercado, que fingem defender. Vem daí a indigência dos Institutos Liberais no Brasil por absoluta falta de financiamento por parte daqueles que, supostamente, seriam os mais interessados em defender e fazer avançar o liberalismo. Mas não é por nada que ocorre esta coincidência de opiniões entre interesses tão contrários na aparência. A falta de qualquer noção ética e moral é o que caracteriza também os marxistas: é o puro materialismo militante que une os dois pólos. O que se passa na China de hoje é o conluio espúrio entre autocratas corruptos e assassinos com empresários inescrupulosos que não respeitam nenhum valor ético, moral ou religioso. Até as pedras sabem que a China fez uma abertura exclusivamente econômica, sem nenhuma contrapartida nos demais valores humanos. Os chineses das áreas “liberadas” estão livres para serem explorados, mas não para adotarem a religião que desejam, nem para decidir soberanamente quantos filhos querem ter, para saírem do país, para formarem sindicatos que façam valer seus direitos – complemento essencial de um capitalismo sério. Continuam submetidos às rígidas leis comunistas de um país que mata recém-nascidos e todos os opositores presumíveis do regime de ferro que impera. Os protestos ocidentais para que a China respeite os direitos humanos não passam de puro engodo para a opinião pública pois não há a menor intenção em implementá-los através de exigências formais. Por exemplo, só investir se houver realmente abertura em todos os níveis, isto é, verdadeiro liberalismo. Na famigerada ONU a China tem poder de vetar qualquer resolução contra ela, para alívio dos demais que podem posar de éticos e bonzinhos, quando na realidade nada mais desejam do que continuar se locupletando com o atual “negócio da China”. Só não se dão conta de que talvez a China tenha aprendido da primeira vez em que o ocidente foi lá em busca de lucro fácil com o ópio e contratos espoliativos. Quem se acredita dono do futuro, não olha para o passado e corre o risco de repeti-lo. Não me refiro aqui à charlatanesca noção marxista de que a história se repete. Ela só se repete para quem não aprende com ela. E a repetição não é risível mas trágica também – talvez até mais trágica! Oscar Wilde dizia que “experiência é o nome que damos aos nossos erros” e quem não aprende com eles, certamente os repetirá. Como o liberalismo é muito próximo do anarquismo – principalmente o liberalismo dos “libertários” – não percebem que nos regimes comunistas nada é deixado ao acaso, tudo é feito somente após minucioso planejamento da cúpula do Partido, pois sendo os inventores do determinismo histórico, sabem muito bem que isto não existe e não deixam nada ao acaso. Diferentemente da inventividade e criatividade que é o apanágio dos indivíduos livres, os coletivistas nada criam espontaneamente – haja visto que até hoje não se tem conhecimento de nenhuma invenção ou criação artística relevantes nos países socialistas. Sugiro que esta “abertura” chinesa não passa da re-edição da Novaya Ekonomicheskaya Politika – a Nova Política Econômica (NEP) iniciada por Lenin em 1921 para salvar a URSS da derrocada e da derrubada do regime soviético, atraindo capital do único lugar em que existia, o mundo livre, pois socialismo só produz miséria, nunca capital. O rato que Deng e seus sucessores precisam matar não é eficiência econômica, mas atrair capital para fortalecer suas forças armadas, inclusive e principalmente nucleares e assim usar a burrice dos inimigos para melhor extermina-los. Assim fez Lenin. Quando, em 1929 a NEP dava sinais de ameaçar o poder estatal, Stalin deu fim na brincadeira. Mas aí um país miserável e incapaz de produzir arcabuzes medievais, já estava com sua indústria armamentista a pleno vapor para destruir seus próprios financiadores. O doce sonho dos liberais hegelianos pode se transformar num pesadelo. (1) “Previsão e Profecia nas Ciências Sociais”, Conferência no 10o Congresso Internacional de Filosofia, Amsterdam, 1948.


 
MSM 13 de abril de 2004
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