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Escassez inédita de matérias primas

- O ESTADO DE SÃO PAULO - 6 MAIO, 2021 - Fernando Dantas - Contribuição César Tonheiro

Produção da indústria de transformação no Brasil enfrenta falta sem precedentes de insumos, como consequência de desarranjos logísticos pela pandemia e crescimento forte da demanda.


O Brasil (e diversos países) vive uma situação inédita de escassez de insumos e matérias primas.

Como aponta o economista Aloisio Campelo, pesquisador associado do FGV Ibre responsável pelas sondagens de confiança, “a proporção de empresas brasileiras [da indústria da transformação] apontando a escassez de matérias primas como principal fator limitativo à expansão dos negócios é recorde em 20 anos”.

Campelo explica que, habitualmente, na pergunta da sondagem às empresas sobre fatores limitativos à expansão dos negócios, as respostas mais comuns são de que não há problemas nesse sentido ou escassez de demanda. Entre janeiro de 2013 e janeiro de 2020, a proporção máxima de empresas industriais que apontaram escassez de matérias primas como fator limitativo à expansão foi de 6,6%. Como efeito da pandemia, o porcentual pulou para 10,3% em abril de 2020. Depois recuou para 3,9% em julho, mas voltou a subir, atingindo 17,3% em outubro – e se tornando o fator limitativo mais citado –, 20% em janeiro e 25,3% em abril.

A visão de Campelo é que uma conjunção de fatores, basicamente centrados nos efeitos econômicos da Covid-19, contribui para esse fenômeno.

Com a eclosão da pandemia e as quarentenas iniciais extremas em vários países, Brasil inclusive, foi como se a economia “desligasse” temporariamente.

À medida que o relaxamento social foi sendo relaxado em relação ao estrito nível inicial, as economias foram sendo religadas.

Porém, pelos desarranjos logísticos e de produção nas próprias cadeias – transportes interrompidos, fábricas paralisadas – essa volta da produção não ocorreu como um processo rápido e contínuo. Surgiram nós, soluços e interrupções.

“É como se a economia em vários setores estivesse adormecida e fosse acionado um botão para ela acordar – mas até estar plenamente ativa leva um tempo”, explica o economista.

O problema, porém, é que a demanda saiu correndo à frente da oferta inicialmente avariada, num movimento que, com causas que se sucederam ao longo do tempo, ainda dura até hoje. Houve inicialmente a transferência de consumo de serviços para bens, já que, no caso dos primeiros, o isolamento social simplesmente impedia que fossem consumidos – restaurantes, cinemas, salões de beleza, eventos esportivos, vida noturna etc.

Posteriormente, aconteceu a recuperação supreendentemente rápida da China e os gigantescos pacotes de estímulo fiscal dos Estados Unidos. A demanda global se aqueceu fortemente.

Como a normalização dos serviços se dá de forma muito gradativa, com idas e voltas (novas ondas, novas restrições à circulação), o desvio do consumo de serviços para bens permanece parcialmente.

Um último fator que pode ter contribuído para a demanda de matérias primas e insumos em geral da produção foi, segundo analistas, uma certa antecipação de compras pela China a partir do segundo semestre do ano passado, concentrada em commodities industriais, e possivelmente alimentares. A China, claro, viu que iam faltar produtos e se antecipou.

No caso do Brasil, a escassez de matérias primas e insumos se acentuou ainda mais pela forte depreciação cambial. A indústria brasileira, na qual quase 60% da produção é de bens intermediários, está pressionada tanto por uma maior demanda externa como doméstica, de substituição de importações.

A pressão global nos insumos se estende desde matérias-primas mais básicas, como o minério de ferro – que atingiu tamanho valor que a Vale bate recorde de valorização dois anos após Brumadinho – e outros minerais, até suas cadeias, como aço, metalurgia, produtos de metal, linha branca, automóveis, informática etc. Pressões semelhantes se irradiam pela cadeia de petróleo, produtos químicos e plásticos; de celulose, papel, papelão; de commodities agrícolas e alimentos etc.

A pandemia levou a mudanças na forma de consumir – que podem se perenizar parcialmente – que também elevaram a demanda de setores específicos, como é o caso do e-commerce e as embalagens. As consequências da escassez de matérias primas, claro, é colocar mais lenha na inflação. Em abril deste ano, segmentos do Brasil que se destacaram em termos de escassez de matérias primas foram limpeza e perfumaria (56% das empresas disseram que é um fator limitativo à produção), veículos automotores (53%), química (47%), alimentos (30%) e máquinas, aparelhos e materiais elétricos (28%).

De 13 setores analisados, apenas dois reduziram a percentagem de empresas que mencionaram a escassez de matérias primas como fator limitativo entre janeiro e abril: produtos de plástico e produtos de metal. Ainda assim, o percentual permaneceu em níveis altos, de respectivamente 22,3% e 23,8%.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com) Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 5/5/2021, quarta-feira CURIOSO COM AS FOTOS ABAIXO? Acesse a Home Page aqui.

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