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AS COMPLEXIDADES DA POLÍTICA NORTE-AMERICANA

Updated: Nov 17, 2020

- HEITOR DE PAOLA - 8 Mar, 2007 -



I don’t envy those in Washington whose duty it is to resolve the dilemma between idealism and realpolitik. But they will not go far wrong if they respect the great tripod on which all geopolitical wisdom rests: the rule of law, the consultation of the people and the certitude that, however strong we may be, we are answerable to a higher power.

PAUL JOHNSON



Os analistas políticos da mídia brasileira sempre apresentam os Estados Unidos da América como um bloco homogêneo. A grande maioria o faz por total e absoluta ignorância da extrema complexidade da política interna e seus reflexos na externa, e uma pequena minoria – geralmente nos postos de comando e que selecionam os anteriores – o faz de pura má-fé. O máximo admissível é a grosseira divisão entre liberais e conservadores, sempre com a intenção de satanizar os últimos como religiosos fanáticos e genocidas, principalmente o Presidente Bush que é apresentado como líder inconteste destes. À denominação “guerra de Bush” dada pelo Globo à guerra do Iraque, segue-se agora “a guerra de Bush no Brasil” quando ele insiste na necessidade de investigar a lavagem de dinheiro para grupos terroristas e o contrabando de armas e drogas na Tríplice Fronteira, como se fossem decisões pessoais e não necessidades geopolíticas.

A nomenclatura utilizada sem nenhum esclarecimento comparativo com tais conceitos no Brasil já é ou fruto de uma burrice fenomenal ou do propósito implícito de confundir os leitores e telespectadores – no último caso a situação ainda é pior já que as notícias devem ser apresentadas em velocidade meteórica e fica mais fácil confundir. Mormente, porque a maioria dos telespectadores só assiste aos noticiários como intervalo entre duas novelas, ansiando pela próxima e/ou pelo famigerado BBB. Por isto, cada vez que um de nós do MSM se refere a estes termos tem que esclarecer os leitores sobre seu real significado. De minha parte esta será a última vez.


Um liberal nos EUA é um ardente inimigo do liberalismo econômico, defensor intransigente do welfarestate e do big government, e um liberal extremado em questões morais, religiosas e de costumes, defensor da liberação das drogas e do aborto em qualquer momento da gravidez, da eutanásia, dos movimentos feministas e gays, das cotas raciais, e outros assuntos do gênero. Em matéria religiosa são tão “liberais” que atacam o cristianismo como ofensivo às demais crenças. De maneira geral se agrupam no Partido Democrata e em inexpressivos partidos libertários, mais radicais ainda, baseados numa confusa interpretação da Constituição Americana e da aplicação aos princípios morais dos escritos de Adam Smith, Mises e Hayek e das concepções pseudo-filosóficas de AynRand.


Um conservador é um defensor do liberalismo econômico, contrário ao welfarestatee ao big government e conservador no sentido moral e de costumes, religioso, e defensor do direito de todos – inclusive dos fetos - à vida. O que desejam conservar é a tradição fundamentada na Constituição Americana, o Bill ofRights e demais American StatePapers, os fundamentos religiosos legados pelos FoundingFathers, junto com a não intervenção governamental em matéria religiosa. O conservadorismo é a arte de expandir e fortalecer a aplicação dos princípios morais e humanitários tradicionais por meio dos recursos formidáveis criados pela economia de mercado (Olavo de Carvalho). De maneira geral se agrupam no Partido Republicano.


Mas a verdade é que por trás desta distinção esquemática há uma complexa trama de opiniões principalmente entre os conservadores e esta constitui sua maior força, mas também os expõe aos ataques dos liberais que, por serem de esquerda de vários matizes, são muito mais homogêneos e seguem as normas do “centralismo democrático” leninista.


Quando do ataque de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center houve uma imensa união de todos os americanos em torno do Presidente Bush e sua guerra contra o terrorismo, até Hillary Clinton e John Kerry votaram a favor. União sim, mas com propósitos divergentes: enquanto os conservadores o fizeram de forma espontânea e sincera, os liberais perceberam a necessidade de, naqueles momentos cruciais, se mostrarem patriotas, já antevendo o momento de dar o bote quando começassem as mortes de soldados americanos e falhasse o messianismo que impulsionou Bush a mudar em pouco tempo tradições seculares de autoritarismo civil e religioso. Aí, mostraram suas garras, principalmente coordenados pela esquerda do Partido Democrata.


Desde a década de sessenta do século passado, com a campanha contra a Guerra do Vietnam, este partido, a que pertencera Reagan, vem sendo cada vez mais dominado pela esquerda do blameAmericafirst (culpe primeiro a América), isto é, aconteça o que acontecer busque primeiro a responsabilidade americana.


Durante a II Guerra Mundial os americanos permaneceram unidos apoiando Roosevelt e depois Truman e por isto puderam vencer em toda a linha destruindo o nazismo e o imperialismo japonês, e completando o serviço com a re-estruturação dos dois países em moldes democráticos. Com a divisão atual isto é impossível. Inclusive porque a referida esquerda através de ricas e poderosas ONG’s e da ONU comanda todos os movimentos anti-americanos no mundo, como pode se comprovar pela seguinte afirmação de João Antonio Felício, Secretario de Relações Internacionais da CUT, a propósito da próxima visita de Bush ao Brasil, propôs declara-lo o “terrorista número um do planeta”, “persona non grata” e conclamou todos os brasileiros a se manifestarem contra sua presença. “Estaremos livres desta ameaça quando o povo norte-americano possa construir um governo de esquerda e abrir um novo período em sua história”. Da mesma forma o virulento Cândido Mendes, depois de um violento discurso anti-Bush na Reunião da Academia da Latinidade no Cairo em 2004 despediu-se com um “até a nossa vitória em novembro!” E assim é pelo mundo todo.


Meu intuito nesta série de artigos é mostrar apenas algumas divergências no seio dos conservadores norte-americanos para demonstrar que não constituem um bando uniforme e homogêneo de fanáticos religiosos cujo principal objetivo é dominar o mundo. Longe disto, os conservadores são os mais isolacionistas e se apoiaram a guerra do Iraque e o desmantelamento da tirania de Saddam Hussein, divergem enormemente quanto à permanência das tropas lá e a tentativa do Presidente Bush em transformar o Iraque numa democracia à custa do contribuinte norte-americano – e das vidas de seus filhos. Sentem-se inclusive traídos por ele na política de imigração e nos planos da North American Union (motivo de um dos próximos artigos). Alguns exemplos bastarão.


CONTROVÉRSIAS NO CONSERVATIVE BOOK CLUB


O CBC, cujo lema é “ConservativesServingConservatives for 40 Years, é um dos redutos literários mais à direita nos USA. Um dos últimos lançamentos do CBC foi o livro THE ENEMY AT HOME: The cultural Leftand its Reponsibility for 9/11, de DineshD’Souza, autor nascido em Goa, Índia, de família católica convertida durante o período colonial português, que até mesmo já deu um Cardeal de Calcutta, Don Henry D’Souza. Em sua página, além de boas informações pessoais e sobre seus livros (LETTERS TO A YOUNG CONSERVATIVE, WHAT’S SO GREAT ABOUT AMERICA, THE VIRTUE OF PROSPERITY, RONALD REAGAN: HowanOrdinary Man BecameanExtraordinaryLeader, THE END OF RACISM: Principles for a Multiracial Society e ILLIBERAL EDUCATION: The PoliticsofRaceand Sex on Campus) pode-se assistir à sua entrevista no O’ReillyFactor (16/02) e uma extensa entrevista, de quase 3 horas de 4 de fevereiro no programa BookTV do C-SPAN2.


Como sou membro do CBC recebo regularmente o Boletim impresso além da newsletter. No último Boletim a Editora, Elizabeth Kantor, autora do livro The PoliticallyIncorrectGuidetoEnglishand American Literature inicia seus comentários com a surpresa: dissenso no Comitê Editorial do CBC a respeito do último lançamento de D’Souza?! A tese de D’Souza é que a esquerda americana vem contribuindo para a ameaça da jihad global. Esquerdistas americanos e europeus (ela não sabe nada de nossas plagas!) comungam interesses com militantes islâmicos a tal grau que Osama bin Laden está cortejando americanos dos Blue States (se referindo aos Estados administrados pelos Democratas) como seus aliados. E muitos americanos são suscetíveis a estas lisonjas. No mínimo, há americanos que vêm George Bush como um inimigo mais perigoso do que os jihadistas. (E ela não leu um dos discípulos deles no Brasil, o João Felício!). Pensem bem. Se a esquerda conseguir tornar o Iraque num segundo Vietnam e o Presidente Bush num segundo Nixon, eles ganharão o jogo. Tomarão a Presidência. E já possuem o Congresso. Tomarão também a Suprema Corte, Roe v. Wade (a decisão que liberou o aborto em alguns casos e Estados) jamais será revista. (...) O monopólio cultural e educacional da esquerda se estenderá a olhos vistos.. Eles estão tão próximos da vitória que já podem degustá-la. (...) Existem duas formas de a esquerda nos colocar neste perigo: a primeira, porque a esquerda se queixa de que os Americanos são racistas e opressores imperialistas que matam muçulmanos para tomar seu petróleo. Não há quase nenhuma evidência de que esta besteira seja levada a sério no mundo islâmico.


Sofar, sogood! Qualquer conservador endossaria estas assertivas sem nenhum problema. Por que então o dissenso? É quando D’Souza se refere à segunda forma. A segunda maneira pela qual a esquerda contribui para o ódio islâmico à América é através da degradação da cultura americana. Milhões de muçulmanos em todo o mundo assistem à televisão americana e se convencem que somos um povo malicioso, imoral e repugnante (imaginem se eles vissem as telenovelas da Globo e o BBB!). Os abusos em Abu Ghraib não convenceram nenhum muçulmano de que os americanos são torturadores (a tortura de prisioneiros não choca aos muçulmanos). No entanto, Abu Ghraib convenceu-os de que somos pervertidos e totalmente indecentes. D’Souzaargumenta que os conservadores devem tomar dos libertinos, à força, o controle da cultura e mostrar ao mundo que não podemos ser definidos como um povo sem vergonha e pornográfico.


Não se trata de aceitar tout court os absurdos conceitos politicamente corretos do relativismo cultural, mas quando lidamos com outros povos é preciso entender em que eles se diferenciam de nós, o que mais os ofende. Se os soldados americanos em Abu Ghraib fossem mostrados torturando com facas, fios elétricos, surras, etc., não feririam tanto a suscetibilidade muçulmana como colocar uma calcinha em suas cabeças ou mostra-los nus ou ter mulheres soldados interrogando homens – suprema ofensa às tradições muçulmanas da supremacia masculina. D’Souza contraria a crença predominante entre os conservadores de que os muçulmanos odeiam nossa liberdade e democracia, o que certamente torna muito mais difícil convence-los a adotá-las já que eles pensam que ao mesmo tempo virão as perversões, a pornografia, o sexo livre, o desrespeito da mulher ao homem e o desprezo pelo sagrado. Ataca também a idéia, difundida pela própria esquerda liberal que a política externa americana é o principal fator deste ódio. Posso acrescentar que a recíproca parece ser verdadeira, como tem insistido Olavo de Carvalho (ver principalmente seu artigo sobre o tema, O Ocidente Islamizado). A "civilização laica" não é uma promessa de vida: ela é a agonia de uma humanidade declinante que, um minuto antes da morte, terminará pedindo socorro ao Islam.Esta civilização laica já é abertamente chamada de pós-Cristã e pós-modernista. O que só confirma a desconfiança dos muçulmanos de que a América era Cristã mas tornou-se totalmente secular, abandonando todo resquício de moralidade que sempre mereceu o respeito do Islam.


D’Souza argumenta que existe uma ligação direta entre a difusão da cultura pop americana decadente, as idéias liberais de esquerda e os valores seculares, e o aumento exponencial do anti-americanismo no mundo, principalmente no mundo islâmico. Defende que não há separação entre a guerra ao terror e a guerra cultural, são uma só. O anti-americanismo islâmico está baseado na revolta contra o que os muçulmanos percebem como o ateísmo e a depravação moral da cultura popular americana. Para D’Souza os conservadores devem parar de atacar o Islam, o Corão e o Profeta Maomé como as fontes que nutrem o terrorismo e a jihad, que só leva os muçulmanos tradicionais para os braços dos radicais. Demonstra que nos países de maioria islâmica fora do Oriente Médio, como os de maior população islâmica Indonésia, Bangladesh e Índia, não existe enraizado este anti-americanismo mas que ele vem crescendo por influência dos radicais islâmicos em função dos fatores que estamos estudando aqui. Até mesmo os mais radicais muçulmanos como bin Laden não estão combatendo o cristianismo mas o paganismo e o ateísmo, as forças contra as quais o Corão realmente prega a jihad, pois estes são considerados os infiéis. Esta também foi a revolução do Ayatollah Khomeiny e segue sendo a de Khamenei e Ahmadinejad.


D’Souza sugere que os conservadores devem voltar suas armas contra os liberais e mostrar para os muçulmanos tradicionais que existe uma outra América, respeitadora dos mesmos valores que os deles, que existem os RedStates (aqueles administrados por Republicanos), onde o cristianismo e a moral tradicional estão vivos na América.


Elizabeth Kantor finaliza perguntando aos membros do CBC: Mesmo que reconheçamos que D’Souza passa muito por alto pela tendência à violência inerente ao Islam (a tese predominante entre os conservadores que eu mesmo tenho usado em meus artigos sobre o tema) pergunto: É possível apontar a decadência americana como inspiração para o ódio jihadista ou até mesmo que seja uma causa suficiente do ódio e dos atos malignos que dele derivam – sem que cheguemos a justificar os assassinatos em massa de 9/11 e outros atentados terroristas? Eu acho que sim, mas vamos ver o que vocês pensam. Fica a pergunta para os meus leitores também.




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