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A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

Jacy de Souza Mendonça

19/06/2020




Naquele tempo, Promotores de Justiça podiam também advogar em processos que, por natureza, não contassem ou não pudessem contar com a intervenção do Ministério Público. Assim fui contratado para representar um litigante em liquidação de sentença cível. A ação tinha se iniciado antes de eu nascer, há mais de trinta anos. Passara por várias alterações da legislação processual; fora inúmeras vezes levada ao Supremo Tribunal. Quem disputava naquele momento eram os netos daqueles que iniciaram a questão... O processo era formado por mais de trinta grossos volumes. Olhar para aquilo era desencorajador... mas fui obrigado a ler tudo. No final, descobri que tinha perdido meu tempo, pois o que restava a decidir era uma questão minúscula, insignificante, de facílima compreensão. Na verdade, a parte queria apenas ganhar mais um pouco de tempo.


Redigi meu arrazoado e protocolei na secretaria do Tribunal de Justiça. Ironia da sorte, o processo foi distribuído a um Desembargador que, apesar de ótimo julgador, era o mais moroso do Tribunal. Talvez fosse necessário aguardar outros trinta anos. Como mantinha relação de amizade com um filho dele, pedi-lhe que observasse o que seu pai tinha feito com os autos. A resposta anunciava tragédia: o pai acabava de mudar-se para uma casa nova, na qual fizera construir um salão apenas para estocar processos que aguardavam julgamento. O espaço estava já ocupado por papéis do piso ao teto e os autos que me interessavam tinham sido colocados no fundo da sala... a título de consolo, ele tomara a iniciativa de trazê-los para a frente dos demais.


Manifestei-lhe minha gratidão e, um mês depois, renovei o pedido no sentido de que apenas observasse onde estava agora o processo. Tinha voltado para o fundão. A mensagem era evidente.


Desconsolado, como último recurso, usei meu papel timbrado e preparei um memorial a ser entregue ao Desembargador. No topo, identifiquei o processo: natureza jurídica e partes. Em seguida, rigorosamente em uma linha, escrevi o que pretendia o recorrente e, em outra linha, a tese do recorrido. Só isso. Na semana seguinte o processo tinha sido julgado!


Mais um aprendizado: tamanho não é documento.

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