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A FOLHA DE PAGAMENTO

Jacy de Souza Mendonça

15/06/2020




No fim do primeiro mês no exercício da função de administrador do Ministério Público do Rio Grande do Sul, recebi para aprovação a folha salarial da equipe. Não reconheci os dois primeiros nomes da lista; tinham exercido a função no passado e eram agora Deputados. Indaguei por que continuavam percebendo vencimentos como Procuradores e ninguém me deu qualquer explicação. Recusei-me então a chancelar a folha e mandei elaborar outra, sem aqueles nomes.


Logo após a data habitual do depósito dos valores na conta bancária de cada funcionário, entrou em meu gabinete um dos excluídos. Bufava. Protestava aos brados. Informado sobre o motivo da omissão, sua ira aumentou. Alegou que era Deputado Federal e, por isso, exigia respeito. Mantive a tranquilidade e respondi-lhe que a folha correspondia ao pagamento de vencimentos de Procuradores e Promotores de Justiça do Estado; ele fazia jus a vencimentos do cargo de Deputado, que deveriam ser-lhe pagos pela fonte adequada, pela qual eu não respondia. Sua fúria não foi amainada; ao contrário, saiu de meu gabinete batendo violentamente a porta e dirigiu-se, sem ser sequer anunciado, à sala do Procurador Geral do Estado. O que falaram jamais fiquei sabendo, mas, no dia seguinte, foi protocolado seu pedido de aposentadoria. Outra consequência: ele jamais olhou para a minha cara; foi a única pessoa que me tratou dessa forma. Coisas da vida...


No dia seguinte, quem veio também protestar, mas com muito respeito, foi uma senhora idosa. Alegou que a falta do depósito dos vencimentos do marido lhe causava muitas dificuldades, pois ele sofria de grave enfermidade psíquica cujo tratamento exigia elevada despesa com medicamentos. Esse o motivo, aliás, pelo qual tinha sido afastado do exercício da função. Foi orientada a encaminhar o pedido de aposentadoria do marido e saiu muito agradecida.


Assim foram sendo resolvidos os demais problemas e assim eu aprendi muito cedo: aquele que tem direito vai buscá-lo com naturalidade e respeito; quem não tem direito exige-o de qualquer um, sempre de forma agressiva.


Aprendi também como é agradável, mas difícil, administrar pessoas.

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