HEITOR DE PAOLA - MÍDIA SEM MÁSCARA - 27 DE JULHO, 2006
Eu pretendia, como anunciado no último artigo desta série, tecer considerações sobre o pacto entre o Foro de São Paulo e o Diálogo Interamericano, acertado em Princeton entre Lula e FHC em 1993. Mas os acontecimentos se precipitam em velocidade vertiginosa e urge uma avaliação global das ocorrências atuais.

Recomendo portanto o artigo do Dr Graça Wagner e os vários de Carlos Ilich Azambuja. Hoje vou utilizar um recurso inusitado e bastante arriscado: misturarei fatos conhecidos e comprovados com doses de especulação política e ficção futurista, baseada numa determinada interpretação dos fatos. Minha pretensão é modesta: apenas prever um dos futuros imediatos possíveis da América Latina. Antes, no entanto, é preciso especular sobre o passado.
Todos os leitores de Mídia Sem Máscara têm o privilégio de saber sobre o Foro de São Paulo mais do que a maioria das pessoas ignora ou finge ignorar portanto, só farei uma breve recapitulação dos fatos relevantes para meus propósitos aqui. No final da década de oitenta a URSS parecia estar agonizando. Sabemos, por Golitsyn, que tudo não passou de um engodo para relaxar as defesas ocidentais e desmoralizar o anti-comunismo, mas o fato é que o fracasso do regime econômico instalado em 1917 era real e estava fazendo água por todos os lados. Soubesse ou não Fidel Castro dos planos mais secretos da Perestroika desde seu planejamento, de uma conseqüência ao menos ele foi avisado a tempo: a torneira da “ajuda humanitária e de solidariedade socialista” a Cuba iria se fechar progressivamente até ficar apenas um conta-gotas. Esta situação de penúria viria a ser confirmada pelas visitas de Mikhail Gorbachov a Havana, em abril de 1989 e, mais tarde, pela do então Chanceler da URSS Eduard Shevardnadze em 6 de outubro do mesmo ano. Mas, desde antes Fidel já estava informado e se preocupava em encontrar meios alternativos de sobrevivência econômica de seu regime. Entraram em cena aí o auto-proclamado guerrilheiro que nunca pegou em armas, mas agente do serviço secreto cubano José Dirceu e o ideólogo do PT Marco Aurélio Garcia que lhe propuseram um pacto com Lula - então forte candidato a Presidente do Brasil - para “recuperar na América Latina o que fora perdido na Europa do Leste”. Dois planos foram traçados: o primeiro para o caso de vitória de Lula e o segundo para o caso de derrota. Foi este segundo que ocorreu e o planejamento para a formação de um grande bloco das esquerdas continentais - a revitalização da OLAS, Organización Latinoamericana de Solidariedad - se pôs em marcha, resultando no Foro de São Paulo.
Agora vamos supor que Castro tivesse outras preocupações e um Protocolo Secreto tivesse sido firmado já que o Foro, por suas características, deveria ser discreto, mas não poderia ser secreto. Sua ausência dos noticiários deve ser atribuída à mídia submissa que transformou as redações dos jornais em sucursais do Granma. A existência de protocolos secretos é a rotina dos tratados internacionais - o exemplo mais conhecido é o do Pacto Molotov-Ribbentropp que previa secretamente a partilha da Polônia, entre outras cláusulas. Esta outra preocupação seria quanto à sua sucessão, pois o príncipe coroado, seu irmão Raúl, Vice-Presidente do Conselho de Estado e Ministro da Defesa, nunca teve a sua confiança por carecer de carisma e capacidade de liderança. Poderia haver uma luta pelo poder que acabaria com o regime comunista. Pode-se alegar que especulo sobre o nada porque em 1989 Fidel tinha apenas 63 anos. Ocorre que já na década de 90 correram rumores de suas várias doenças e, ademais, é com tempo que se preparam estas coisas. Fidel estabeleceu em Cuba um regime stalinista e sabia muito bem o que aconteceu quando Stalin morreu – ou foi assassinado, nunca se saberá ao certo. A luta pelo poder matou Beria e Zhdanov Malienkov saiu correndo para sobreviver e quando Khruschov assumiu já o fez durante uma reforma em que o Potibüro, que nunca funcionou de forma independente nos tempos de Stalin, tornou-se um órgão colegiado onde se preparavam os sucessores. Fidel, tal como Stalin, liquidou com todos os possíveis sucessores: Che Guevara, Camillo Cienfuegos e Arnaldo Ochoa possuíam o que falta a Raúl.
Era necessário encontrar um novo líder da revolução que possuísse aquelas características. Lula deve ter sido avisado que tirasse o cavalinho da chuva porque não tinha nem preparo intelectual nem o physique de l’emploi. Havia tempo suficiente e no processo de tomar toda a América Latina iria certamente aparecer alguém que servisse. Atualmente, rumores mais sérios sobre sua morte próxima correm o mundo e as especulações sobre Cuba após sua morte são disparatadas. Desde uma intervenção americana maciça com uma espécie de plano Marshall, até a tomada do poder por parte de Raúl ou por um colegiado comunista.
Os EUA se preparam para gastar 80 milhões de dólares durante dois anos para encorajar uma Cuba democrática com eleições multipartidárias e livre mercado. Um relatório de 93 páginas já foi preparado pela Commission for Assistance to a Free Cuba, presidida pela Secretária de Estado Condoleezza Rice, prevendo técnicos americanos reconstruindo escolas, pontes, estradas e especialistas financeiros planejando um novo sistema de impostos, e os EUA propondo a entrada de Cuba no FMI. Os dissidentes cubanos apreciam a oferta, mas estremecem de medo. Alguns o consideram um abraço de urso e uma promessa irrealizável. Os 80 milhões seriam aproveitados, em caso de falha do plano, para acusarem dissidentes de mercenários dos americanos e temem novas prisões. Aprenderam a lição dos iraquianos quando os americanos se retiraram sem derrubar Saddam Hussein em 91 e tome morticínio dos que apareceram para saudar as “mudanças”. Alguns acreditam que uma mistura das duas realidades ocorrerá: uma espécie de abertura à chinesa, abrindo o mercado, mas mantendo o rígido controle político pelo PCC.
Mas, e se a saída for uma outra, já prevista no suposto Protocolo Secreto, com um novo líder não cubano? Claro está que este substituto já foi encontrado, mora no Palácio Miraflores, em Caracas, e atende pelo nome de Hugo Rafael Chávez Frías. Chávez poderia ser o novo Fidel, só que não mais um Fidel que depende de ajuda para sobreviver, mas um sentado em cima de milhões de barris de petróleo, com forças armadas reforçadas e no total controle da população de seu país. Se necessário, Jimmy Carter dará mais uma ajudinha nas próximas eleições mandando previamente o endosso dos resultados que deixaria em branco para Chávez preencher. Diferentemente de Lula, Chávez não é um apedeuta. É Tenente-Coronel de uma tropa de elite, os Pára-quedistas, do Exército venezuelano, tendo feito todos os cursos para tal, que exigem capacidade intelectual incomum, é mestre em estratégia e o que lhe faltava lhe foi ministrado pelos melhores professores universitários venezuelanos enquanto esteve preso pela tentativa de golpe de Estado em 1992. Sabe o que quer e sabe como consegui-lo. Sua histeria populista assim como o linguajar aparentemente simplório são para consumo das massas, e não como os de Lula que representam os limites de sua capacidade de pensar.
Cada vez mais se percebe a união de interesses entre Chávez e Castro. Não falo de Venezuela e Cuba porque seria um atentado contra os dois povos, dos quais o primeiro perde a cada dia mais um pouco de sua liberdade e o segundo não a tem há muitos anos, já até esqueceram o que significa a palavra liberdade! A formação de uma Federação ou Confederação entre os dois países é algo a ser considerado a curto prazo, já tendo sido tal intento, mencionado por ambos os líderes.
Voltando às minhas especulações: o que impede que esta Federação se torne rapidamente numa proclamação de união indissolúvel de ambos os países num único, que chamarei CUBAZUELA, mas que poderia ter um nome mais vistoso como República Bolivariana del Caribe, pedindo de pronto reconhecimento internacional e ingresso na ONU? Este último estaria garantido pela quadrilha de malfeitores que domina aquele organismo sob o comando do capo dei tutti i capi Kofi Annan. O reconhecimento seria imediato por parte dos aliados terroristas Irã, Síria, China, Rússia, Líbia e aliados europeus como a Espanha de Zapatero. No continente teria o apoio do maior número de países já preparados no Foro de São Paulo para a formação da URSAL – Unión de las Republicas Socialistas de América Latina ou manter apenas o título anódino já proposto de ALBA (Alternativa Bolivariana para las Américas). Os votos de Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Equador são certos. No Brasil a re-eleição de Lula garantiria o voto, mas a eleição de Alckmin não atrapalharia em nada a URSAL contaria no mínimo com uma simpática neutralidade formal esperando reconhecimento por parte dos outros. Alckmin, que não passa de uma marionete de FHC, teria que obedecer as diretrizes do acordo firmado por FHC e Lula em 1993 em Princeton, o primeiro representando o Diálogo Interamericano - indiretamente o Council on Foreign Relations - e o último, o Foro de São Paulo.
Quando escrevo este artigo a Venezuela está sendo recebida com honras e louros como novo Membro Pleno do MERCOSUL na reunião de cúpula dos Presidentes do organismo, todos aliados de Chávez e Castro com exceção de Nicanor Duarte Frutos, Presidente do Paraguai. Ocorre que este país já pediu ajuda a Chávez também e se for concedido o mesmo que à Argentina – a compra dos títulos da dívida externa – adere imediatamente.
Adivinhem quem veio para a cúpula? Este mesmo: Fidel Castro Ruz! Com sua vinda sempre em suspense, a agenda de questões a serem discutidas pelos presidentes inclui a conclusão do acordo 4+1 entre o Mercosul e Cuba, que prevê uma série de preferências tarifárias e seria a base para um futuro tratado de livre comércio. O que têm Cuba e Venezuela a ver com o MERCOSUL? Geograficamente nada, politicamente tudo! Lá estão por iniciativa do Foro de São Paulo – leia-se Marco Aurélio Garcia – já no caminho de formação da URSAL. Notem que o acordo é 4+1 e não 5+1! Se os países membros originais são 4 (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) onde está a Venezuela? Já virtualmente federada a Cuba, segundo minha especulação?
Informa-nos Graça Salgueiro em seu blog Notalatina que “em 2004, o sociólogo comunista germano-mexicano Heinz Dieterich, guru de Chávez e Fidel, explicou que a idéia de criar a “Pátria Grande” sonhada por Bolívar, só seria viável se fosse criado um “bloco” com todos os países de corte comunista da América Latina (Cuba, Venezuela, Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai, Paraguai, Peru e Equador), com pensamentos e ações coordenadas desde um líder, para o qual foi designado Chávez. Para tanto, criou o projeto do “Bloco de Poder Regional”, onde se unificariam as Forças Armadas de todos esses países para fazer frente ao inimigo externo, evidentemente, os Estados Unidos”.
A lacrimejante visita de Fidel e Chávez à casa em que foi criado Che Guevara foi o ponto alto da reunião. Ambos foram saudados como irmãos de sangue. E a visita é simbólica: Che era o segundo homem da revolução cubana sem ser cubano, assim como Chávez. A sucessão de Fidel por Chávez, mesmo que numa Federação co-presidida por Raúl Castro, teria o objetivo de impedir qualquer ação americana após a morte do primeiro já que Cuba não seria um país acéfalo e sim, no gozo de sua plena soberania, além de que Chávez colocaria novo vigor na repressão interna em Cuba.
Ao mesmo tempo, a “contra cúpula” dos povos expressou sua imensa satisfação com o trabalho de Chávez como sucessor de Fidel. Alardearam especificamente Chávez ter controlado e dominado facilmente a “classe política” venezuelana o que lhe credencia para controlar a classe política de toda a América Latina, iniciando um processo irreversível de integração latino-americana, do qual a integração comercial em acordos “neo-liberais” é apenas o início mais aceitável para a “comunidade internacional”. Simultaneamente, as FARC reiteraram seu total apoio a Chávez numa carta ao Partido Comunista Venezuelano que está realizando seu XII Congresso em Caracas, ressaltando a “nova onda revolucionária que se levanta em nossa América”. Por sua vez, Chávez apóia publicamente a re-eleição de Lula, como já fizera no Peru, na Bolívia e no México e agora o retorno do sandinista Daniel Ortega na Nicarágua.
O Jornal Jamaica Cleaner News noticia que chegaram àquele país 100 técnicos cubanos especialistas em serviços de eletricista e um leitor comenta sarcasticamente “para que serviriam”, já que todos os jamaicanos, inclusive as crianças, sabem perfeitamente colocar lâmpadas e denuncia que é o início de uma nova invasão cubana. López Obrador, candidato chavista no México, ameaça desestabilizar cada vez mais o país com seus protestos por ter perdido as eleições. Seu porta-voz anuncia que “serão tomadas decisões importantes de ações radicais, enérgicas e absolutamente fortes, que não deixarão dúvidas de que não vamos permitir uma imposição”.
Podemos imaginar a seguinte situação geo estratégica: Cuba, Venezuela e México, as três maiores potências militares do Caribe e os dois primeiros os maiores produtores de petróleo da região Jamaica e Nicarágua dominadas. Os demais países do istmo da América Central assim como as demais ilhas não contam para nada, serão facilmente dominados. As potências européias que têm possessões caribenhas – Inglaterra, França e Holanda – dificilmente interviriam. Portanto, além do controle quase absoluto da América do Sul, o Caribe torna-se um verdadeiro Mare Nostrum comunista. URSAL em marcha batida.
E os Estados Unidos, o que fariam? Se continuarem dando ouvidos aos “especialistas em América Latina” Vargas Llosa, Montaner e Otto Reich, provavelmente continuarão apostando na esquerda soft, vegetariana, representada por Lula, Tabaré Vazquez e Bachelet! A não ser que os tremores no México sejam fortes demais. Como se sabe, os interesses americanos ao sul do Rio Grande se esgotam da Província de Yucatán. Este é, a meu ver, o grande risco do plano do Foro de São Paulo. Mas é assunto para um próximo artigo.