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IPMF

Jacy de Souza Mendonça

27/07/2020




Essa forma de tributação volta ao debate. Reproduzo, por isso, o que já escrevi sobre ela (Folha de São Paulo, 24/06/1993):


Muitas são as frases de efeito, cunhadas para a defesa do novo arrastão fiscal, todas inverídicas, puramente demagógicas:


“Objetivo do IPMF é a universalização tributária, esse é um imposto que todos pagam”. Mentira! Esse imposto é tão universal quanto os demais. Quem compra mais, paga mais ICMS e IPI; quem compra menos, paga menos. Quem puder girar mais dinheiro, pagará mais IPMF e quem girar menos, pagará menos... Qual a diferença sob o prisma da universalidade? Tenta-se explicar que, em todas as operações econômicas, há movimentação financeira, o que asseguraria a universalidade, mas essa é só a confissão da inconstitucionalidade do tributo por bitributação: aprovado o IPMF, sempre que se realizar uma operação econômica será obrigatório pagar o imposto anteriormente incidente sobre ela, mais o IPMF. Dois impostos sobre a mesma hipótese de incidência. Chega-se até ao extremo de que o fato do pagamento de um imposto é fato gerador da obrigação de pagar outro imposto...


Diz-se que “o IPMF evita a sonegação”. Certamente, a arrecadação eletrônica do IPMF dispensa as formas tradicionais de fiscalização e assim evita a sonegação. O preço que o cidadão brasileiro terá que pagar por isso é a invasão de sua privacidade, com a quebra inevitável de seu sigilo bancário. Não haverá forma de impedir que o fiscal do imposto desça até a conta individual para apurar o cumprimento da obrigação. Se essa permissão legal for estrategicamente excluída do texto do projeto, por certo virá como consequência em seguida. O sigilo bancário corretamente quebrado na investigação de um ilícito, não pode ser quebrado no dia-a-dia das pessoas, sem grave agressão à privacidade.


Se o IPMF evita a sonegação, estimula, por outro lado, a evasão. Vários esquemas já foram até anunciados, antes da vigência da lei, para evitar seu pagamento: a monetarização, a dolarização, a tradição manual de cheques endossados, a criação de câmaras particulares de compensação de cheques.


Afirma-se que “o IPMF vai tributar a economia paralela”. Sim, v ai tributar, porém, em vez de acabar com ela, irá aumentá-la. As transações em moeda não registradas, as transações em dólar, em cheques endossados, tudo vai encontrar abrigo seguro na economia paralela.


Os adeptos de Robin Hood afirmam ainda que “o IPMF é um imposto que só os ricos e banqueiros pagam”; um brutal desrespeito à inteligência dos menos ricos. Pagarão o IPMF os mesmos que pagam os demais impostos e na mesma proporção. Não se confunda pagamento com recolhimento de tributo. O IPI é recolhido pela indústria e o ICMS pelo comércio, mas o valor recolhido, nos dois casos, é parcela na formação do preço do produto, pago nem pela indústria nem pelo comércio, mas pelo consumidor.


É muita ousadia afirmar que “os operários e os aposentados não pagarão IPMF, sob a justificativa de que salários e benefícios previdenciários receberão a compensação adicional de 0,25%... não é nessa operação que incide o peso da obrigação tributária dos operários e beneficiários, mas em todas as operações que fizerem para a compra de vestuário, alimento etc., em cujo preço passará a estar embutido inúmeras vezes o IPMF.


Diz-se também que “o IPMF é um imposto de transição e que sua alíquota é insignificante”. Ora, todos os impostos, sem nenhuma exceção, foram lançados à sociedade sob essa mesma anestesia e todos se perpetuaram com alíquotas crescentes. A máquina arrecadadora é insaciável e tem o mérito dos roedores que sopram piedosamente a ferida enquanto devoram a vítima. Nem será muito difícil transformar o P de provisório em P de permanente.


Finalmente, “o IPMF é oferecido como condição de salvação nacional, condição de governabilidade”, mas, em um orçamento como o da União, no qual as despesas chegam à casa de 14 quatrilhões de cruzeiros de cruzeiros e a receita tributária não atinge quatro quatrilhões, o que se pode fazer com chances de sucesso não é aumentar em  5% ou 10 % a arrecadação, mas sim em reduzir 75% na despesa.


O IPMF não poderá, pois, resolver o problema das contas federais; ele virá encarecer ainda mais a vida do cidadão brasileiro, empobrecê-lo ainda mais. Empresas e cidadãos ficarão mais pobres, na mesma medida em que o Tesouro Federal ficará inicialmente mais rico. Aos poucos, o peso da inflação e da miséria, aumentado pelo IPMF, levará a uma redução no total arrecadado, porque uma nação mais pobre tem menor capacidade de recolher impostos. Aí, só um novo arrastão fiscal.


Como já chegamos à fase de pagar imposto sobre o imposto pago, a próxima será certamente a de pagar imposto sobre o imposto pago no ato do pagamento de imposto.

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